quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Crônicas do Império - Presságios




Presságios é o primeiro livro de uma trilogia épica que escrevo desde os 14 anos de idade. Já tentei publicar um livro, mas aqueles que tentaram também, sabem o quão impossível é esse empreitada em nosso país. Portanto, publicarei-o aqui, online, pra todos aqueles que tiverem interesse em ler. Peço somente que, os que gostarem, divulguem como puderem, preciso do máximo de leitores possível. 
Vou postanto também detalhes do mundo de Dymond, onde se desenrola a história, e alguns personagens chave. Quem tiver curiosidade, curtam a página no Facebook: http://www.facebook.com/CronicasDoImperio
Espero que gostem!

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Prólogo


Meu nome é Aaron. Sou o cronista do Império de Dymond, e é meu dever relatar sua história. Nasci no ano de 908, durante o reinado de Tales Varyest, O Justo. Meu pai era conselheiro do Imperador, e Cronista antes de mim. Minha mãe morreu quando eu tinha cinco anos de idade. Fui criado junto aos filhos gêmeos do Imperador, Heitor e Lexis Varyest. E, sobre mim recaiu a responsabilidade de registrar os acontecimentos dessa geração. E é isso que farei aqui. Espero ser o mais esclarecedor possível, já que Dymond é um império vasto, e os fatos que irei descrever aqui nem sempre foram presenciados por mim, mas descritos por relatos de terceiros. Porém, como meus antecessores, entendendo a importância dos registros, e procurarei ser o mais fiel possível.
A história de Dymond começa muito antes. Apesar de já relatada nos Anais da História Universal do Império, que li incessantemente desde criança na Biblioteca Imperial de Jaummer, farei uma breve retomada, desde sua Aurora. Dymond era, no princípio dos tempos, uma terra vazia e sem vida. Espíritos malignos vagavam sobre ela, destruindo tudo o que os Quatro deuses tentavam criar. Irados com o comportamento desses espíritos, os Quatro deuses criaram o Mundo Inferior, e os expulsaram de Dymond, onde floresceu e prosperou toda a vida.
Os Homens foram criados pelo deus ar. Os Elfos pelo deus terra. Os Possowry, grandes felinos dotados de imenso poder, pelo deus água. E os Dragões pelo deus fogo. A cada uma das raças, os deuses deram um pedaço do continente para governarem. Os homens ficaram com o litoral oeste e boa parte do centro do continente. Os elfos com o litoral leste e algumas ilhas no Okeanus. Aos tigres, couberam as gélidas colinas do norte, com suas florestas cobertas de neve. E por fim, aos Dragões couberam os desertos rochosos do sul.
Mas com pouco tempo, a ganância das raças fizeram surgir à Primeira Grande Guerra. A princípio, Dragões e Elfos lutaram pela posse do Leste. Mas aos poucos, Os Dragões, que venciam os Elfos, começaram a invadir o território dos homens e o dos tigres. Isso forçou as três raças a formarem pela primeira vez a Tríplice Aliança. Unidas, conseguiram não apenas forçar os Dragões a recuarem, como também resolveram formar um Império, unindo os três territórios, para impedir uma nova futura investida por parte dos Dragões.
A primeira dinastia a reinar foi a dos Hellsy, a família real dos elfos. Por cinco séculos, eles protegeram e governaram Dymond. Durante seu reinado, os Dragões tentaram fazer aliança com vários membros corruptos da corte, mas nunca obtiveram êxito.
Depois, veio a dinastia dos tigres. Apesar de ser mais curta que a dos elfos, apenas duas gerações, os tigres estabeleceram normas que afastaram ainda mais os Dragões. A família real se chamava Trystan. Os Trystan reinaram pacificamente, sem ocorrências de revoltas no território do império, além de fortalecerem a religião Quadricular e derrubarem pequenos templos de adoração a deuses populares. 

Então veio a dinastia dos homens. Estes sempre foram considerados mais fracos pelos elfos, mas tinham a simpatia e o apoio dos tigres. Foi durante o reinado do primeiro imperador homem, Victor Varyest, que os Dragões invadiram Dymond novamente. Apesar de terem destruído grande parte das mais preciosas florestas élficas, e chegado até as montanhas geladas do norte, eles foram repelidos, após sete anos de guerra. E foi assim, com guerra e morte, que começou o governo dos homens.
Após a derrota, os Dragões mais uma vez se retiraram para o rochoso sul, para além do alcance de homens, elfos e tigres. E há relatos de que uma imensa cidade, erguida sob as ruínas de Ragnarók o reino amaldiçoado no início do mundo, está sendo erguida por eles, abrigando o mais terrível dos exércitos já vistos em Dymond.

Tales Varyest é o sexto rei da dinastia. Os elfos, próximo povo na linha de sucessão cíclica estabelecida no início do Império, se recusaram a subirem no trono, concedendo apenas descendentes da dinastia Hellsy em casamento. Sendo assim, Tales se casou com Líncerat Hellsy. Seus filhos são os primeiros mestiços do mundo. Meio Homens, meio elfos. Talvez seja por esse motivo que o destino de ambos, e daqueles que os rodearam, viria a ser tão trágico e poderoso. Talvez seja por esse motivo que os quatro deuses se voltariam contra suas criaturas, para destruí-las. E talvez seja por isso, só por isso, que essa geração vivenciou acontecimentos que moldariam o mundo para toda eternidade.

Capítulo 01




Capítulo 01

O Nascimento dos Gêmeos Mestiços:

Jaummer Castle, Capital Imperial.



Rob estava sentado no seu Trono de Ouro, no centro do Salão Circular do Castelo Dourado, a sede da Ordem Sagrada. Vazio, aquele recinto era demasiado silencioso, e isso incomodava o Supremo Conselheiro. Aquele era um lugar de encontro entre sábios e mestres, mas eles aparentemente estavam ocupados demais para exercerem plenamente suas funções. Ocupados com suas festas, com seus experimentos e com suas teorias fúteis.
Apesar disso, nenhum outro lugar em Jaummer agradava mais a Rob que o Salão Circular. As duas galerias que o circundavam davam um tom de grandeza que poucos locais do mundo podiam se gabar de possuir. Os detalhes entalhados em ouro que recobriam as paredes, com temas nas línguas antigas, tanto a dos homens como a dos elfos, línguas esquecidas há séculos, deixadas para serem vistas apenas por um grupo seleto de seres. Levantando-se, o velho mago sentiu as costas doerem. Os cabelos brancos e finos caíam para trás, amarrados com fios de prata, porém, alguns rebeldes tentavam se aparecer na testa. Os olhos profundos possuíam tons de azul e cinza, bastante intimidadores. A estatura média podia fazer com que seus inimigos cometessem o erro de subestima-lo. Apesar de bastante velho, ninguém jamais soubera sua idade.
Caminhou até uma das saídas e debruçou-se sobre a sacada. Ainda veria o nascer de Órion. A estrela mãe lançava seus primeiros raios de vida sobre aquela terra abençoada, tingindo o céu de um tom carmesim em contraste com o azul quase negro do mar ao longe. Era de fato um espetáculo. Rob subiu para seus aposentos satisfeitos. Deveria se encontrar com o Imperador durante a manhã, para as audiências com os súditos.
Alguns aprendizes passaram por ele correndo, com algum objeto, que ele não identificou, nas mãos provavelmente fugindo de algum mestre ranzinza. Não evitou um sorriso quando a maga Hera surgiu sem fôlego, perguntando sobre os garotos.
_ Bom dia Supremo Conselheiro. – Disse entre uma golfada de ar e outra. Suas bochechas estavam mais vermelhas do que o comum. – Porventura não vistes alguns pirralhos com meu cajado nas mãos?
_ Talvez tenha visto alguns jovens indo em direção ao bosque, mas não sei dizer se tinham algum cajado nas mãos...
_ Obrigado meu senhor, muito obrigado. – Disse a velha, antes de partir em desespero para as escadas.
Depois de um breve desjejum, constituído por fatias de queijo com frutas e pão, deixou o Castelo Dourado para ir até a morada do soberano de Dymond, Imperador Tales Varyest. Seu melhor amigo.

***

Jaummer, a capital do Império de Dymond. A cidade fica em uma ilha, muito próxima ao continente, cerca de 2 km de distância, e é ligada a ele por uma ponte de pedras. A ilha, em forma de montanha, abriga em seu topo o majestoso castelo Jaummer, que dá nome a cidade. Trata-se de uma construção de pedras brancas, que se ergue imponente sobre a cidade, tão alto que sua sombra percorre uma longa distancia no mar. Há do lado esquerdo, um prédio na horizontal, com quatro andares e duas torres em cada extremidade. De frente para o leste, de onde vem a ponte, e de onde se pode ver o continente, uma torre gigantesca, com cerca de 200 metros de altura, liga as duas laterais. Um portal de ouro está entre a cidade e a torre, por onde uma ponte atravessa um fosso cavado na rocha da montanha, protegendo a entrada principal do castelo. Na lateral direita está o prédio mais alto e amplo do castelo. Ele toma toda a lateral direita, chegando até o centro da construção. Vários andares sobrepostos vão galgando o ar até chegarem a uma altura de 400 metros. Nas costas do castelo, a montanha fornece a proteção perfeita: um paredão de rocha tão íngreme que nem mesmo o melhor guerreiro poderia subir por ele.  Em um espaço entre a torre de entrada e o prédio principal, ficam os jardins, que pela grandiosidade constituí quase um bosque. Um pequeno córrego passa por ele, formando um lago no centro e indo cair como uma cachoeira no mar. Diversos tipos de árvores e flores crescem ali, dando ao local um cheiro agradável.
Na entrada do prédio principal, uma escadaria levava ao salão dos tronos. Na porta, dois guardas de elite, trajando armadura completa e lanças de gala, guardavam a integridade do soberano. A decoração era nobre, com um altar de onde os dois tronos, do Imperador e da Rainha, surgiam esculpidos da rocha. Estavam ligados, mas havia uma distancia de meio metro entre eles. Havia lustres pendendo do teto, de ouro e com diamantes, de onde um fogo azulado lançava uma aura mágica em todo o recinto. Cabiam ali cerca de mil pessoas, já que era local das reuniões da corte. O chão era todo de mármore branco, tirando o brasão real no centro do salão. O brasão era desenhado em preto, com contornos vermelhos. A estrela de quatro pontas com o símbolo de cada um dos deuses primários em cada extremidade era conhecida em todo o território de Dymond.
O imperador e a rainha encontravam-se sentados no trono. Era o quinto dia do outono, e havia audiências, como determinava a lei. Uma fila de cidadãos aguardava para pedir ao Imperador que julgasse suas causas e que lhes desse o auxilio necessário. Tales Varyest era um homem imponente. Vestia um manto de veludo azul marinho por cima da roupa vermelha e dourada. Alto, ombros largos e braços fortes. Os olhos eram negros, como os de seu pai e avô. Os cabelos rebeldes eram também negros, e caíam sobre a testa através da coroa. A coroa em si, era simples, de ouro trançado com prata, e o brasão nos quatro pontos cardeais.
No trono ao lado, a rainha era muito menor, mas nem por isso menos majestosa. A roupa era leve, de um tecido mais suave que a própria seda, e de coloração de um azul esverdeado. Possuía um corpo esguio como o de um gato. O rosto era totalmente fora do comum: os olhos quase felinos e as orelhas pontudas anunciavam a raça a qual a rainha viera. Líncerat era herdeira da família real élfica, os Hellsy, e casara-se com Tales como forma de afinar ainda mais os laços entre a Tríplice Aliança. Os olhos eram de um verde translúcido, e as feições da rainha transmitiam calma e tranquilidade.
Atrás do trono do imperador, um velho de sábia aparência observava tudo o que o soberano fazia, e quando solicitado, dava opiniões. Vestia uma túnica branca com detalhes em preto e vermelho, e o brasão da Ordem Sagrada, o Unicórnio, estampado no peito.
_ Minha senhora, realmente não se cansa de me acompanhar nessas tarefas reais? – Perguntou o imperador, claramente notando a expressão entediada de Líncerat. Rapidamente, a rainha se mexeu no trono. O ventre dilatado onde o herdeiro repousava era um aparente fardo para o corpo pequeno e frágil.
_ Tales, querido, não se preocupe comigo. Assim que me cansar, irei para meus aposentos e repousarei. Um pouco de contado com o mundo real, faz bem. – Disse, olhando para um camponês um tanto sujo que acabara de entrar na presença do imperador. – Assim que este jovem for atendido, irei procurar Acácia e caminharemos pelo jardim.
_ Se este é o seu desejo, minha rainha. – O imperador parecia um pouco incomodado pelo tamanho da esposa, mas virou-se conformado para o jovem camponês. – Sou Tales Varyest, Imperador de Dymond. Diga-me, em que posso ajudá-lo?
O homem ajoelhou-se, e fez um gesto de submissão. Tales era conhecido pelo seu senso de justiça, por isso era respeitado pelas classes mais pobres. O que não queria dizer que, dentro da corte, não acumulasse inimigos.
_ Meu senhor, o assunto a que venho tratar é deveras sério. Meu nome é Nereu, e meu pai Oneiroi foi, assim como eu, comerciante de ovelhas. Nossa família é pobre, mas chegaram aos meus ouvidos rumores que devem chegar aos do senhor também.
Tales moveu as sobrancelhas, num claro movimento de apreensão. Rumores eram perigosos. Espalham-se como o vento, e causa efeitos devastadores como o fogo. Ele realmente não gostava de rumores. Nereu era jovem, não tinha trinta anos ainda. O cabelo louro desgrenhado. As mãos calejadas e a pele queimada, não negavam sua origem humilde. Porém, o imperador viu sinceridade e retidão em seus olhos.
_ Fale, jovem Nereu. Se tais rumores forem dignos de atenção, terei prazer em recompensá-lo com ouro.
Ao ouvir a promessa, os olhos do jovem brilharam. O ouro seria muito bem vindo em sua vida humilde. Líncerat moveu-se no trono. Tales virou-se pra ela, e notou que algo a incomodava. Preferia esperar o camponês falar, para depois perguntar se algo não estava bem.
_ Bem, a propriedade em que moro com minha família fica ao sul, nas terras do Lord Gameliel, próximo a cidade de Trikalia. Contei a ele o rumor, mas ele não acreditou. Porém meu senhor, não pode ser apenas uma história. Tem de haver ali algo de verdadeiro. Algo de... – O rosto de Nereu estava contorcido, num misto de ansiedade e pavor. O velho atrás de Tales, o Conselheiro Chefe Rob não gostou nada da expressão do homem.
_ Ou conta de uma vez o que houve, ou saia do Castelo agora mesmo! – Vociferou, assustando todos na sala. A verdade é que Rob sentira que aquele jovem era um mensageiro de más notícias, as piores que chegavam àquela sala em muitos anos.
_ Bem... È... Quer dizer... – Gaguejou o rapaz.
_ Fale com calma. – Aconselhou o imperador, olhando de lado para o velho. –Rob é um tanto impaciente, mas acredito que o que irá nos contar é realmente importante. Portanto, é melhor que seja rápido.
_ Pois bem. Aconteceu com a filha do lenhador Sr. Péricles, a formosa e doce Ofélia. Diz o pobre homem que estava viajando com a filha e a esposa para uma floresta ainda mais ao norte, antes das terras dos Seres da Mata. Procurava uma madeira rara, para vender a um poderoso comerciante. A viajem levaria apenas alguns dias, por isso resolveu que a família poderia ir junto. Em uma das noites, Ofélia saiu para buscar lenha. Havia uma leve garoa, e Péricles resolveu ir atrás da filha para avisá-la de que apenas galhos bem secos serviriam. Antes de chegar até a filha, ouviu gritos e correu. Ao chegar até ela, encontrou apenas seu corpo sem vida caído na relva, marcado com um símbolo na testa. Não havia sinais de espancamento, ferimentos, nada. Consternado, não prestou atenção nisto, e cuidou de avisar a esposa, enterrar o corpo e sair dali o mais rápido possível. Até essa parte tudo corre normal. Existem muitos ladrões nas florestas, e eles matam sem piedade. – O jovem fez uma pausa, para tomar fôlego.
Líncerat se moveu mais uma vez, incomodada. Aquilo lhe soava estranhamente familiar. Mas não podia se lembrar do que. Nereu pigarreou e continuou.
_ Ao chegar ao vilarejo, o lenhador contou a desgraça a todos. Um curioso, um jovem órfão que aprendeu a ler com um grupo de sacerdotes viajantes e acumulava livros estranhos em sua velha barraca, pediu uma descrição do símbolo. E passou dias nos livros. Todos se perguntavam se havia mesmo necessidade de buscar i significado daquilo. Devia ser demoníaco o suficiente para ser evitado. Até que Jonathan, esse era o seu nome, saiu da choupana às escondidas e correu para a casa de Péricles. Dizia ter descoberto o significado do símbolo. Não foi dada muito importância, até que Jonathan e o velho Péricles apareceram boiando no lago do bosque ao redor do vilarejo. Alguma coisa ele deve ter descoberto. E ninguém sabe o que era ao certo.
Quando parou de falar, tinha os olhos cansados. Tirou do bolso um papel enrolado, e entregou para o imperador. Tales desenrolou cuidadosamente, e Líncerat e Rob se curvaram para ver o que havia nele. Por um momento, o coração dos três parou de bater. Ao notar a expressão de terror nos olhos de todos, Nereu levantou-se depressa.
_ Então é verdade. Esse é um símbolo de guerra! Um símbolo dos Renegados. O símbolo das bestas que habitam as Terras Perdidas. – Sua voz tomou uma sonoridade sombria. – Esse é o símbolo dos Dragões.
Rob saiu detrás do trono numa rapidez assustadora para um velho. Tomou o papel da mão do imperador, e recitou algumas palavras diante dele. Em instantes, restavam apenas cinzas do desenho. Líncerat estava pálida, com uma expressão doentia. Elfos não vivem como os humanos, e não envelhecem como eles. Apesar de jovem, a rainha nascera antes do fim da última guerra contra os Dragões. Quando era ainda muito criança, sua família fora caçada pelas bestas aladas, por carregarem o sangue real élfico. A notícia era particularmente chocante para ela.
Rápidos lampejos de memória passaram diante dos seus olhos: os estandartes vermelhos dos exércitos dos Dragões, em sua maioria constituídos por criminosos e assassinos de todas as raças, sendo erguidos na sua cidade natal, os gritos de desespero do povo, a batalha travada pelo exército real para deter as tropas até a chegada dos reforços humanos. E por fim a morte de sua mãe.
Uma lágrima solitária escorregou pelas linhas suaves do rosto, indo se aconchegar nos lábios delicados. E Tales a segurou bem a tempo, antes que a cabeça pendesse no apoio do trono. Correria. Servos agitados tentando levar a rainha para seus aposentos, guardas segurando Nereu, temendo ter sido ele responsável pelo desmaio da rainha, Rob segurando Tales na sala dos tronos e obrigando-o a deixar Líncerat seguir com os criados até o quarto.
_ Isso significa que eles realmente estão em terras da Aliança novamente. Acreditam ter forças para nos desafiar? – Pensava em voz alto o imperador, atormentado. Virou-se para Nereu e observou-o. – Não entende o que irá te acontecer se retornar? Provavelmente será morto.
O jovem entendeu que as coisas eram piores do que ele supunha. A esperança de receber alguma recompensa do imperador havia cegado o jovem camponês.
_ De toda forma, você ficará no castelo por enquanto. Sua informação foi deveras preciosa. – Virou-se para Rob, que coçava a cabeça branca com força. – Cancele as audiências. Duvido que alguém tenha algo pior que isso para trazer ao meu conhecimento. Convoque uma reunião do Conselho. Precisamos tomar as providências necessárias. Vou atrás de Líncerat, ela pode dar a luz ao bebê a qualquer momento.
Saiu correndo pela mesma porta por onde os criados levaram a rainha. Rob começou a vociferar com os guardas, dando ordens a todos. Nereu foi deixado de lado, a deriva daquela confusão. As coisas iriam mudar dali pra diante. Ele tinha certeza.

***

Gritos. Tales apressou ainda mais o passo. O quarto pra onde Líncerat havia sido levada estava a poucos metros de distância, mas os gritos pareciam vir de mais longe. Ao chegar à porta, Acácia e outras mulheres entravam e saiam às pressas do quarto, com lençóis sujos de sangue. A velha criada olhou com ternura o rosto aflito do imperador.
_ Não pode entrar agora meu Senhor. A rainha está dando a luz ao seu herdeiro. Pode ser um parto muito complicado, pois se trata de um mestiço, e nunca tivemos alguma criança assim antes, mas a rainha é forte. O Senhor mesmo sabe, portanto sente-se e aguarde.
Sem reação, o governante de toda Dymond se rendeu as palavras da velha, sentando-se na cadeira ao lado da porta do quarto. Sentia um misto de emoções, emoções que nunca antes haviam se cruzado em seu coração. Ansiedade, alegria, medo, vergonha. “Por que as coisas sempre acontecem de uma vez só?” Pensou o jovem Imperador. “Os Dragões dão sinal de vida, Líncerat começa o parto, tudo ao mesmo tempo!” Pensamentos como esse preenchiam sua mente, deixando-o confuso.
Concentrou-se então em ouvir os barulhos do quarto. Fechou os olhos, e aguçou ao máximo a audição. Primeiro os gritos das parteiras, dizendo para que Líncerat tivesse calma. Depois, a respiração ofegante, mas compassada da rainha. O coração acelerado, tudo parecia ser-lhe audível. E então, um choro. Baixinho, abafado, e depois mais alto, e mais alto, quase um grito. Uma lágrima escorreu dos olhos do imperador. Era a voz de um homem. Ele tinha certeza. A voz de um jovenzinho muito forte e valente.
E então, a maior surpresa de sua vida. O acontecimento mais surpreendente e mágico da vida do jovem imperador acabara de acontecer. Um segundo choro fez-se ouvir sobre o primeiro, como se estivesse entoando um canto com o outro. O coração do imperador pulou. Não se conteve, saltou da cadeira e abriu as portas com um impulso. Líncerat sorriu para ele, segurando duas crianças, uma em cada braço. Um tinha os cabelos dourados, quase brancos como os de Líncerat. E o outro os tinha negros, como os do pai. As feições eram claramente idênticas, com as orelhas levemente pontudas como as da mãe. Tremulo, Tales aproximou-se. A rainha o recebeu com um sorriso fraco, mais cheio de amor.
_ Não é maravilhoso? – Perguntou ela, cheia de emoção.
Sem poder falar, o imperador se ajoelhou ao lado da cama, contemplando os dois garotos. Seu coração havia se esquecido de tudo, do mundo, da dor, das responsabilidades. Por um momento queria apenas observar aquele milagre perfeito.
_ Como iremos chamá-los? – A Rainha o olhou, em dúvida. Tales por um momento vacilou. Mas depois soube como seria o nome dos meninos, como se alguém tivesse lhe ditado.
_ O mais velho é Lexis, e o mais novo, Heitor.
E por muitos anos, Lexis, o de cabelos pretos e Heitor, o de cabelos loiros, alegrariam os corredores do castelo. Tales foi tirado bruscamente do devaneio por Teronk. Teronk era irmão mais novo de Líncerat, e membro do Conselho Imperial, representando os interesses élficos. Tinha os cabelos claros, e no geral lembrava muito a irmã. Apesar do rosto mais anguloso e da expressão pesada que carregava, o corpo esguio e as vestes faziam-no ser confundido constantemente com a rainha. Era também, um dos melhores amigos de Tales.
_ Meu Senhor, o Conselho o aguarda. Será uma ótima notícia em meio aos acontecimentos que a precedem. Precisamos nos apressar. – Com um gesto brusco, Teronk o levantou, e o puxou para fora do aposento.
_ Mas... Deixe-me ficar com eles hoje! Amanhã discutiremos os assuntos do reino.
A voz de Tales estava embargada, cheia de emoção. É claro que a surpresa fora boa, mas ele não podia se deixar levar. Afinal, tinha um Império a governar.
_ Vossa Graça. – Os olhos de Teronk já mostravam certa impaciência. – Com todo respeito, sugiro que passe vários dias com seus filhos. Isso acontecerá muito em breve. No entanto, os vários senhores que estão reunidos na Sala do Conselho não podem mais esperar. Os assuntos trazidos ao vosso conhecimento pelo vendedor de ovelhas são urgentes.
O discurso de Teronk pareceu despertar o Imperador. Limpou algumas lágrimas que ainda insistiam em rolar pelo rosto, empertigou-se e ficou sério mais uma vez. Não disse palavra alguma, apenas dirigiu-se solenemente a Sala do Conselho. Mais silencioso ainda, Teronk o acompanhou.
A sala do conselho era um local simples, como são os locais de trabalho. Tratava-se de uma sala retangular, com doze cadeiras de carvalho em cada lateral. No teto, detalhes em ouro e um lustre feito com o mais puro cristal, das Ilhas da Fúria. Na extremidade do recinto, o trono do Imperador não era suntuoso ou caro como o do salão principal. Lá, era preciso afirmar que o Império era próspero e rico. Ali não, todos os homens sentados ao longo do caminho conheciam detalhes da administração. Portanto, era uma cadeira de carvalho como as outras, um pouco maior e com o símbolo imperial entalhado nas costas. Atrás dela, um vitral imenso iluminava a sala, tendo um Dragão desenhado em ouro. Ninguém ousava perguntar o porquê do Dragão, o inimigo de todas as de Dymond, estava representado ali. Mas poucos tinham por que olhar o vitral. As atenções estavam todas no imperador.
Tales chegou contente, apesar da expressão séria, e passou devagar, para que seus Senhores pudessem lhe prestar reverência. Uma formalidade banal, pensou ele. Sentou-se na sua cadeira e pediu ao seu jovem escudeiro, um rapaz lá pelos seus 24 anos, que o aguardava ao lado do trono que anunciasse o início do Conselho.
_ Vossa Majestade Imperial, Tales Varyest, primeiro de seu nome, ordena que se inicie este trabalho do Conselho Imperial. – Fez uma leve reverencia ao Imperador. – Que os Quatro nos mostrem a direção.
Tales limpou a garganta, e falou devagar.
- É do conhecimento da maioria de vós, Senhores e Guardiões do meu Império, que minha amada Líncerat, Imperatriz dos Três Reinos, das Ilhas de Jaummer e das Ilhas da Fúria, estava para dar a luz. Pois a pouco, deixei-a com meu herdeiro nos braços.
Vários dos Senhores levantaram-se e fizeram reverência. Outros aplaudiram. Tales acenou feliz. E continuou.
_ Porém, para meu contentamento, Líncerat concebeu não apenas um herdeiro, mas dois. Gêmeos...
Repentinamente a sala ficou em silêncio. Rob abriu a porta, e entrou no recinto. Parou quando viu a sombra que pairava sobre os rostos dos Senhores de Dymond. Olhou para Tales e viu que seu sorriso morria.
Quem primeiro falou foi Lord Cyrus, Intendente do Tesouro Imperial e Senhor da Cidade de Argos.
_ Vossa Majestade, qual deles é o mais velho? – Sua voz soou relutante.
Então Tales entendeu o temor dos presentes. E se seus filhos viessem a lutar pelo trono? E se o mais novo não aceitasse que segundos o tirasse o direito de governar? Afinal, qual deles era o mais velho? Uma raiva o possuiu. Como poderia estar pensando isso? Quem eram esses velhos e asquerosos homens que pensavam saber de tudo e de todos. Levantou-se, altivo.
_ Caro Cyrus, devo lembrá-lo de que esses assuntos não lhe dizem respeito?
Havia um claro tom de ameaça na voz de Tales. Rob decidiu intervir.
_ Meus caros, temos assuntos muito mais imediatos par discutirmos do que a sucessão do trono. – Olhou de soslaio para Teronk, que permanecera calado e com aquela expressão inescrutável dele. – Os Renegados nos enviaram um aviso. – Houve um súbito e coletivo suspiro de surpresa. – Em breve estarão em guerra conosco.
Lord Zenir levantou-se, constrangido. Já devia ter tido conhecimento de como o jovem Nereu trouxera a mensagem ao Imperador, embora considerasse que não havia muito verdade na história. Como Senhor do Castelo da Muralha, era seu dever mostrar que estava cuidando do assunto.
_ Vossa Majestade. – Fez um reverencia forçada. Não escondia seu desafeto pelo Imperador. – Tais boatos podem não passar disso, boatos. Não deveríamos estar tanto preocupados.
Tales olhou-o sério. Às vezes se pegava questionando se realmente podia confiar naqueles homens. Mas se não pudesse, o que lhe restaria? Um homem não poderia governar sozinho.
_ Rob encontrou vários rastros de magia no pergaminho tirado do defunto que boiava no lago. Magia negra da mais imperdoável senhores.
Alguns se mexeram em suas cadeiras, claramente preocupados. Era uma situação perigo, o seria bom agir imediatamente. Rob já se encontrava a direita do Imperador, na posição de Conselheiro Chefe e Supremo Conselheiro da Ordem Sagrada. Apesar de velho, tinha uma altivez que talvez nenhum dos homens dali possuísse.
_ Recomendo que um regimento do Exército, comandado por alguém de confiança de Vossa Majestade, seja enviado imediatamente para a região do ocorrido. Se forem encontrados indícios de que os Renegados invadiram território da Aliança Imperial, ataquemos a Cidade Proibida com força total, para lembrar-lhes o seu lugar.
Seu discurso foi calmo, sem muito calor. Mas ele queria ser convincente, nada mais que isso. Disse por fim:
_ Quem está de acordo?
Dezesseis dos vinte e quatro Senhores levantaram-se. Rob fez sinal para que sentassem, e virou-se para o Imperador.
_ Cabe a Vossa Graça dar a última palavra.
Tales sabia que Rob proporia algo como aquilo. Seu temor pelos Renegados era justificável. Quando aprendiz, Rob fora obrigado a lutar contra seu próprio mestre quando este se aliou aos magos da Ordem Maldita. Ele compreendia o perigo que tais homens representavam a integridade do Império. Além disso, com seus herdeiros recém-nascidos, Tales deveria manter um possível conflito o mais distante de Jaummer possível.
_ Concordo com a proposta do Conselheiro Chefe. Nomeio Sor Íkarus, General do Regimento de Inteligência do Exército Imperial para a empreitada. – Levantou-se ansioso para sair dali e ir ter com seus filhos. – Está encerrado este Conselho!


(Imagens disponíveis na internet, sem relação alguma com o livro. Uso-as sem intenção de causar dano autoral.)

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Capítulo 02



Capítulo 2

A Profecia Negra

Cidade Proibida, Território dos Dragões.


Lydul puxou o capuz para que encobrisse ainda mais seu rosto. Estava de noite, mas os cabelos claros do elfo poderiam denunciá-lo, e esse não era o plano. Apertou ainda mais o passo, ao ver dois homens conversando numa das esquinas. As ruelas da Cidade Proibida além de fétidas e sujas eram o esconderijo perfeito para os piores ladrões de toda Dymond. Havia uma estranha movimentação de homens armados, não que isso fosse incomum, mas o elfo não se lembrava de serem tantos. Estariam organizando um exército?
Virou-se várias vezes, para certificar-se de não estar sendo seguido. Havia alguns naquelas terras que ainda estavam a serviço do Imperador, então ninguém era confiável. Entrou sorrateiro em uma das pequenas portas de madeira. Encontrou-se em uma sala pequena, nua de mobília, com apenas um pequeno candelabro velho pendurado no teto esparramando uma luzinha fraca e sem vida no recinto. Demorou a ver o homem sentado num dos cantos da sala. Assim que o homem levantou o rosto, Lydul reconheceu-o. Fez uma pequena reverência.
_ Mestre! Encontrei aquilo que me ordenou buscar. – Retirou do bolso interno da túnica um embrulho pequeno. – Asseguro-lhe que não foi tarefa fácil, mas seu humilde servo trabalhou ferozmente durante o longo tempo em que estive viajando.
Com uma expressão apática diante da bajulação do elfo, o homem levantou-se silencioso. Apanhou o embrulho, e tirou dele um pequeno mapa. Estendeu o mapa sobre o chão, e observou-o atentamente por alguns minutos. Tirou a camisa que vestia, e com uma faca tirada do bolso, desenhou uma réplica muito mal feita do mapa no próprio dorso. Quando terminou, não era possível distinguir o desenho, por causa do sangue que escorria. Vestiu a camisa novamente.
_ Destrua. – Disse com uma voz surpreendentemente calma e jovial. – Com magia de preferência. Ninguém além de mim deve ter conhecimento desse mapa. E muito menos do que ele guarda. Entendeu?
_ Sim, mestre!
O elfo olhou atentamente para o mapa, até que ele incinerou-se, e virou cinzas.
_ Por que não nos encontramos em sua casa? – A pergunta já era esperada pelo mestre.
_ Desde que partiu meu caro Lydul, as coisas não vão bem nessas terras. Existem agentes do Império vivendo aqui, e pode ser difícil detectá-los. Nossos agentes enviaram um recado a Tales, e se aquele verme for esperto o suficiente, já estará movendo seus homens para o sul. Temos de nos adiantar. Encontrar-me-ei com o Rei Dragão para acertar detalhes da invasão. – Lydul não gostava da guerra. Mas era preciso destruir o mundo como ele o conhecia para que a Era dos Dragões pudesse começar. – Se Tales mover seus exércitos para o sul, temos cerca de dez mil soldados para tomarmos as cidades de Trikalia e Sykies. A partir daí, entraremos em combate direto com o Império.  
Lydul nunca tinha visto uma guerra, mas sabia que era algo muito terrível. Queria que não precisasse ver uma. No entanto, se era importante para o mestre, ele apoiaria.
_ Que a força do Rei Dragão esmague seus inimigos.
_ Agora arrume uma maneira de se esconder durante a noite. Sabe que elfos não são bem vindos nesta cidade, já que sua raça serve como cães aquele maldito Imperador.
Lydul sentiu-se ofendido, e automaticamente, respondeu.
_ Assim como a sua...
Os olhos calmos do homem caíram sobre o elfo, que se encolheu. Seu corpo era alto, musculoso e seus olhos pareciam faiscar. O elfo, apesar de pequeno e aparentemente submisso, era esguio e rápido.
_ Meu povo se une a cada dia que passa com os exércitos renegados de Metraton, enquanto a malquista Imperatriz amaldiçoa toda essa terra com herdeiros daquele bastardo do Tales. – Havia ódio em sua voz, e seu rosto ostentava uma expressão brutal. – O Grande Rei não deveria aceitar nenhum da sua estirpe em suas fileiras.
_ Sim, mestre. Perdoe minha insolência.
Sem dizer mais nenhuma palavra, o elfo se retirou. Notou que o local do encontro e as roupas do mestre, não condiziam mais com á glória de outros tempos. Provavelmente os negócios iam mal. Quando partira, o mestre morava em uma grande casa, e era cercado por guardas. Não importava. Lydul lembrou-se da Profecia, da missão de ambos. E lembrou-se também do ódio que sentia dos seus iguais.
Resolveu parar em uma taverna, para beber a sua saúde e por ter escapado com vida de uma discussão com o mestre. O nome da taverna era Perdição. Havia muita fumaça, dos muitos cachimbos dos piratas, o que tornava o ar na Perdição quase irrespirável. O elfo aproximou-se do balcão e pediu uma dose dupla de vinho das Montanhas, a bebida que ele mais apreciava. Era adocicado, mas ao mesmo tempo forte.
A taverna Perdição era barulhenta. Dezenas de piratas se aglomeravam para beber, comer, brigar e arrumar prostitutas para lhes aquecer a cama. O porto da Cidade Perdida era quase tão movimentado quanto o de Jaummer, mas os navios que ali aportavam exibiam bandeiras negras e caveiras, diferentemente das quatro cores dos navios oficiais. O elfo suspirou, observando os malditos do mar. Ele escapara de ser bucaneiro por pouco.

 ***

Logo que fugiu de GilLel, a cidade verde dos elfos, por ter assassinado um amigo, Lydul foi abordado por um grupo de piratas. O líder deles, Alfeus, queria vendê-lo como escravo. Mas assim que atracaram na Cidade Proibida, Lydul mostrou-se um bom mago, o que encantou Alfeus. Portanto decidiu que não iria vendê-lo. Mas um homem poderoso da cidade interessou-se pelo elfo, e como Alfeus recusou-se a libertá-lo, o homem contratou assassinos mercenários, que o mataram.
Lydul foi levado até o mestre, e este lhe pediu que se unisse a causa do Rei Dragão contra o Império. Ressentido com as intempéries que lhe tinham acontecido, e culpando a lei do Império, que condenava a morte os assassinos, o elfo aderiu à causa. Por algum tempo, trabalhou na casa do mestre, ajudando-o a decifrar códigos mágicos de livros antigos, livros que não deveriam ser lidos por homens. Mas Lydul não se importava mais com as regras, haviam quebrado todas elas, e agora o mestre era tudo o que lhe restava.
Então, um dia o mestre lhe pediu que o acompanhasse a uma viagem. Sem questionar, partiu para as montanhas desoladas do Grande Deserto. Após vários dias de caminhada, eles chegaram a uma gruta oculta no coração de uma montanha. Lá, encontraram um velho, sujo e maltrapilho, com rosto enrugado e doente. Tratava-se do último Oráculo, pessoas do passado que eram capazes de prever o futuro. Perseguidos, os Oráculos acabaram mortos, mas aquele sobrevivera com a ajuda do mestre.
Cuidou do velho durante dois dias, e no fim do segundo dia, o mestre lhe contara o plano. Pretendia usar uma magia antiga, criada para forçar os Oráculos a verem o futuro de quem quisessem. Magia negra, poderosa. Lydul disse que não podia, era contra as regras. Mas o mestre era persuasivo. E no fim, Lydul o fez.
Foi o dia mais assustador da sua vida. A magia evocava os antigos demônios, os inimigos dos Quatro Deuses, aqueles que não possuem nomes. Lydul não era esperto, mas era conhecedor da magia e tinha talento nato. Levou três horas para concluir a fórmula, mas no fim, conseguiu. O velho Oráculo podia ver o futuro de qualquer ser de toda Dymond.
_ Diga-me, Espreitador do Futuro, que futuro aguarda Metraton, Rei dos Dragões.
Lydul gelou. O mestre era seguidor árduo do Rei Dragão. Nutria um ódio imenso quanto ao Imperador Tales, por algum motivo que ele nunca dizia, mas que o tempo não fora capaz de apagar de sua memória. Mas Lydul não queria que o Rei Dragão voltasse a atacar os povos de Dymond. Apesar de ser um elfo novo, certa vez um velho elfo lhe mostrara as memórias da guerra, e Lydul a temia muito. Talvez, se o mestre lhe tivesse dito sobre o futuro de quem queria saber, Lydul tivesse se negado a realizar a magia. Mas o que estava feito, não podia ser mudado.
Com uma voz que parecia a de mil homens, e os olhos brancos como a neve, o Oráculo fez sua profecia.
_ Metraton encontrará um aliado poderoso. Um irmão de outro irmão, que se negará a irmandade e se unirá ao Rei Dragão. Juntos, o Rei Menino e o Rei Dragão tomarão o mundo, sentarão no trono e reinarão. Juntos, todos os povos de Dymond cairão aos seus pés. Juntos, matarão o Imperador e trarão o horror para esta terra. Metraton será o soberano, e os Dragões ascenderão ao poder.
O rosto do mestre estava iluminado. Um sorriso enorme o preenchia, enquanto as palavras ressoavam nas paredes da gruta. Lydul tinha caído de joelhos, num canto, e soluçava baixinho. Limpou os olhos e levantou-se. O velho estava caído, com o rosto na areia.
Foi Lydul quem notou que ele ainda falava. Foi até o Oráculo sorrateiro, para que o mestre não o ouvisse. E um som baixo, mas tão sombrio quanto o anterior saiu da boca do Oráculo.
_ Porém, Metraton deve enfrentar os riscos. Pois pode ser que surja, entre os povos sedentos de liberdade, um parente do Rei Menino. E pode ser também que esse menino esteja destinado a encontrar Órion, a Espada Perdida. E talvez, essa arma esteja destinada a perfurar o coração negro de Metraton, e matá-lo. Portanto, Metraton deve enfrentar os riscos. Enfrentar...
E o velho Oráculo morreu.
Assim que voltaram da viagem, o mestre se trancou em sua casa, e ali permaneceu por vários dias. Lydul permaneceu escondido, pois elfos não eram aceitos na Cidade Proibida. Não que não pudessem entrar. Mas sair era sempre um problema. Lydul tentou falar com o mestre, mas não conseguiu. Até que ele o convocou.
A casa do mestre era grande, uma das maiores da Cidade Proibida. Devia ter sido financiada pelos bandidos que trabalhavam para ele. Quando Lydul viu o mestre, notou que havia perdido peso, e uma sombra pairava sobre sua face.
_ Existe um mapa.
O elfo ficou calado. Pensou bastante, até entender de que mapa o mestre falava. Pensou se por descuido seu, o homem a quem seguia tinha ouvido a segunda parte da profecia.
_ Não sei, meu mestre.
_ Não perguntei se existe um mapa, mago tolo. Existe um mapa! – A voz sempre tão calma e contida do mestre, estava agora nervosa e trêmula. – Temos de encontrá-lo antes deles.
_ Deles quem meu mestre?
_ É possível que ar de profecia tenha sido ouvida por outros magos. Se assim for, vão começar a atacar as terras dos Dragões em pouco tempo. – Fez uma pausa para ver se o elfo acompanhava. – Existe uma espada, um objeto lendário que dizem ser capaz de matar Dragões.
_ Acredito que o senhor esteja falando de Órion. – Lydul estava confuso. Se o mestre não ouvira o resto da profecia, como poderia saber da espada? – Órion é apenas uma lenda meu senhor!
_ Talvez não seja apenas uma lenda. Pode se tornar um símbolo idiota da resistência que certamente enfrentaremos. Foi assim na Primeira Guerra. Quero que a encontre apara que eu possa tê-la sob minha proteção.
E assim iniciou-se a jornada de Lydul, que durariam dois anos, e culminaria na sua fama de mago negro. Ficou conhecido em todas as terras como Lydul, o Mago Negro. Percorrera grandes florestas, adentrara nos territórios élficos, onde jurou que jamais retornaria. Cavalgou pelas pradarias centrais, escalou os Montes Vermelhos e até nas geladas terras onde vivem as feras ele esteve. Enfrentou ladrões, agentes do imperador, camponeses raivosos, soldados e todo tipo de empecilho. Mas sempre que ouvia algo sobre o mapa, investigava. Qualquer boato lhe era precioso.
E foi assim que conheceu O Sombra. O Sombra enviou-lhe uma mensagem, certa noite, dizendo-lhe que fosse imediatamente para Jaummer, a capital do Império. Lydul duvidou, a princípio, da veracidade da informação. Mas depois de tanto tempo de busca, não podia arriscar. Partiu da cidade de Vyronas, e dirigiu-se para a cidade que servia de casa para o maior inimigo do mestre.
Lydul nunca estivera na capital. Espantou-se com o majestoso Castelo de Jaummer, e com a efervescência da cidade, alegre e jovial, diferentemente da Cidade Perdida. Mas não estava ali para turismo, e tratou de se encontrar com o tal sombra, que dizia ter o mapa para a Espada.
Encontraram-se no cais em meio ao fétido odor de peixe e suor dos pescadores. Lydul não viu o rosto, Mas soube assim que a figura se aproximou que se tratava de um ser igual. Um elfo. Talvez a magia os ligasse, talvez o destino. Trajava vestes de Lord, com o brasão imperial estampado no peito. Dois homens equipados com armaduras douradas e espadas em punho o seguiam. Mas o fato é que O Sombra lhe entregou o mapa, virou-se e foi embora.
O elfo investigou o pequeno pedaço de couro, provavelmente de javali, desenhado um tanto quanto rudemente. Indicava algum lugar além das florestas cobertas de neve onde moravam as Feras. Algum lugar depois do mais longínquo braço do Okeanus. Um lugar onde os Quatro ainda visitavam o mundo mortal. A Terra da Luz.
Tratava-se de uma terra lendária, de onde teriam vindo todas as raças, tempos remotos atrás. Há muito tempo esquecida, não passava de uma lenda. Todos sabiam que após as florestas geladas, havia apenas o Okeanus, sem fundo e sem fim. Mas ali estava o mapa, dizendo que Órion estava perdida na Terra da Luz. A terra esquecida, que escondia o segredo da origem de todos os povos.

***

Lydul deixou a taberna Perdição quase pela manhã. Tratou de ajustar bem o capuz, evitando que vissem as orelhas. Não bebera o suficiente para embebedar um elfo, mas já não estava na total capacidade de seu corpo e mente. Caminhou até o mar, sentando pesadamente na areia da praia. Há alguns quilômetros podia ver o porto, movimentado com a chegada e saída dos navios, piratas em sua grande maioria. Gostava da Cidade Proibida, pensou Lydul, apesar de o fedor ser quase insuportável em alguns dias. E deixou a mente vaguear. Estava de volta, depois de algum tempo. Vivera algumas aventuras, dignas de um grande herói. Talvez fosse um herói, algum dia, quando Metraton subisse no trono com seu Rei Menino. Poderiam escrever-lhe canções, narrando sua árdua tarefa de buscar o mapa que salvaria o Rei Dragão da morte.
Estava tão absorto nestes pensamentos, que não viu o grupo de homens que se aproximou. Só notou-os quando desembainharam as espadas. Levantou sobressaltado. Sacou do punhal, que o acompanhara por todas as aventuras no norte. O punhal era uma preciosidade que ganhara do mestre. O cabo era esculpido no marfim, branco e polido, e rodeado por laços de prata. Entre a lâmina e o cabo, uma caveira de prata, com dois braços esticados e olhos de rubis brilhava. A lâmina de aço de Korydallos, a cidade dos ferreiros, brilhava na tênue luz matinal.
_ O que querem?
Eram quatro homens, todos com aspectos de mercenários. Havia muitos deles na Cidade Proibida. Cobravam barato, e matavam praticamente qualquer um. Lydul sabia que seria complicado se estivessem ali para matá-lo. E estavam.
_ Cale a boca, elfo imundo! Se resistir, faremos com que seja muito pior.
O sujeito que falou, um homem de meia idade, desdentado e cheio de brincos, avançou com a espada. O elfo desviou no exato momento em que a lâmina passaria pelo seu flanco, rolou para o outro lado, e saltou com o punhal em riste. Este por sua vez, abriu um enorme corte vertical na garganta do oponente, que caiu com a boca cheia de sangue. Os três restantes atacaram em conjunto. Lydul detinha alguns golpes com o punhal, e desvia agilmente dos outros. O maior dos mercenários conseguiu enterrar a ponta da espada no ombro do elfo, que caiu gritando, enquanto o manto manchava-se do líquido viscoso e quente. Os olhos do elfo se estreitaram, enquanto desenhava com o sangue do ombro símbolos nas mãos.
_ Parem-no!  Não o deixem fazer magia, idiotas! – Gritou um dos homens. Os três caíram sobre ele, mas já era tarde. Antes que as espadas o tocassem, um feixe de fogo arremessou-os para longe. Lydul sabia que magia de fogo era proibida aos elfos, mas era a mais destrutiva que ele conhecia, e no momento não calculou riscos.
Levantou-se e aproximou-se dos homens caídos, com várias queimaduras pelo corpo. Rezou para que fossem acolhidos no mundo dos mortos com paz. E lançou o feitiço mais uma vez.
Correu para o local onde tinha encontrado o mestre na noite anterior. Estava vazio. Alguma coisa estava errada, e precisava agir rápido. Lydul estava ferido, sangrando bastante, mas tinha de saber quem havia contratado aqueles mercenários. E por que.
A casa do mestre estava silenciosa, escura. Não havia no portão os guardas que ali ficavam costumeiramente. Como um gato, o elfo percorreu os muros da casa, entrando no terreno pelos fundos. Ouviu vozes que vinham de um cômodo pequeno, que não era utilizado pelo mestre. De repente um grito de dor. Sem fazer barulho, Lydul correu até a janela da casa, e olhou para dentro.  Gelou.
Um homem de roupa branca com detalhes nas cores do Império e cabelos cinza tinha rendido o mestre, e provavelmente o torturava. O mestre estava amarrado numa cadeira, e tinha fumaça saindo do corpo. O homem ergueu a mão e conjurou um raio. O mestre já estava quase inconsciente, com espasmos pelo corpo. Um mago era um inimigo muito pior do que mercenários assassinos. Mas Lydul tinha de agir depressa, mesmo ferido e com poucas chances de vencer. O mestre já o salvara da morte certa uma vez, quando estava nas mãos dos piratas. Agora era sua vez de retribuir.
Desenhou um pequeno símbolo na palma da mão com o sangue que ainda insistia em escorrer da ferida no ombro, e rezou para ter mana suficiente para realizar o feitiço. Pulou a janela com agilidade estupenda, e se postou entre o homem, surpreso, e o mestre.
_ Seja quem for, ordeno que saia dessa casa e deixe esse homem em paz. Se não, acabarei com a sua vida!
O homem analisou-o com cuidado. Enfrentar um elfo nas artes mágicas era sempre mais complicado, e Lydul tinha esperança de que isso assustasse seu adversário.
_ Bem, era exatamente por você que eu procurava, Lydul, o Mago Negro. Mas esse homem se negava a me dizer onde você estava... – O homem era claramente agente de Tales. O que poderia querer com ele?
_ Não sei o que quer de mim, mas se deixa-lo livre, poderei negociar contigo. – Usou as palavras com cuidado. Mais um único golpe e talvez seu mestre estivesse morto.
_ Antes, permita-me testar sua habilidade com a magia! – E apontou o dedo indicador para o elfo.
Lançou um raio na direção do Lydul, que ergueu a palma da mão e um escudo invisível refletiu a magia, que atingiu o peito do mago em cheio. Aparentemente surpreso, o mago se recompôs rapidamente, e pôs-se a recitar uma ladainha baixa e frenética. O elfo não a conhecia, mas temeu-a. Imediatamente criou uma barreira anti-feitiços ao seu redor, e quando o homem terminou de recitar sua fórmula, olhou em sua direção esperando que ele sofresse algum dano. Pareceu surpreso.
_ Então é capaz de anular feitiços físicos e mentais. Esplêndido! Poucas pessoas neste mundo são capazes de anular este feitiço. – Bateu as mãos na túnica, e se dirigiu a porta. – Você vem comigo, jovem elfo.
_ Por que eu trairia meu mestre por você?
_ Por que você me levará até Órion, antes que Metraton coloque suas patas na espada sagrada. Para impedir que essa terra mergulhe nas sombras definitivas. Para evitar o Fim da Era do Império! – Surpreso, o elfo pareceu duvidar que as palavras houvessem de fato saído da boca do homem. Como ele poderia saber da profecia? O mago notou a surpresa em seu rosto. – Não pensou que somente seu Mestre tivesse um Oráculo guardado, pensou? A Ordem esta de posse de um exemplar poderoso como jamais se viu antes. E apesar de ser escolha sua, sei que virá comigo, pois o caos que Metraton propõe não o agrada.
_ Fui expulso de meu povo. Sou um Renegado como todos os outros. Jamais poderei viver livremente no território Imperial, bem sabes disso. – Lydul ponderou se seria bom ou ruim poder voltar livremente às terras que percorreu como fugitivo por tantos anos.
_ Tales concorda em lhe conceder a anistia junto aos elfos se você for capaz de guiar-nos até Órion. – Disse o Mago, impaciente.
Se o soberano de Dymond queria ter Lydul entre os seus, significava que finalmente ele era importante pra alguém. Observou o mestre caído, que já se recuperava dos choques e tentava se erguer, e sentiu uma imensa culpa por não tê-lo avisado sobre a segunda parte da profecia. Mas não havia mais tempo, e se quisesse retornar a Dymond, tinha de tomar uma atitude rápida.
_ Eu vou! – Disse, indo em direção ao mestre. Colocou as palmas das mãos sobre o peito musculoso do homem e uma luz esverdeada se lançou sob seu corpo. – Essa é a minha última missão, mestre.

***
Enquanto embarcava no navio pirata, Lydul olhou uma última vez para a Cidade Proibida. Ragnarók era seu verdadeiro nome, mas o Império o proibiu de ser usado, pois fora dali que se ergueram, a muito tempo, os exércitos sob o comando dos Dragões. Virou-se para o homem a quem seguiria a partir de agora.
_ Meu nome você já sabe. Agora diga-me como se chama, mago.
Os olhos do homem brilhavam em um tom de verde que o elfo jamais vira.
_ Sou Kallíope, Vice Supremo Conselheiro da Ordem Sagrada!