Capítulo
01
O
Nascimento dos Gêmeos Mestiços:
Jaummer Castle, Capital Imperial.
Rob
estava sentado no seu Trono de Ouro, no centro do Salão Circular do Castelo
Dourado, a sede da Ordem Sagrada. Vazio, aquele recinto era demasiado
silencioso, e isso incomodava o Supremo Conselheiro. Aquele era um lugar de
encontro entre sábios e mestres, mas eles aparentemente estavam ocupados demais
para exercerem plenamente suas funções. Ocupados com suas festas, com seus
experimentos e com suas teorias fúteis.
Apesar
disso, nenhum outro lugar em Jaummer agradava mais a Rob que o Salão Circular.
As duas galerias que o circundavam davam um tom de grandeza que poucos locais
do mundo podiam se gabar de possuir. Os detalhes entalhados em ouro que
recobriam as paredes, com temas nas línguas antigas, tanto a dos homens como a
dos elfos, línguas esquecidas há séculos, deixadas para serem vistas apenas por
um grupo seleto de seres. Levantando-se, o velho mago sentiu as costas doerem.
Os cabelos brancos e finos caíam para trás, amarrados com fios de prata, porém,
alguns rebeldes tentavam se aparecer na testa. Os olhos profundos possuíam tons
de azul e cinza, bastante intimidadores. A estatura média podia fazer com que
seus inimigos cometessem o erro de subestima-lo. Apesar de bastante velho,
ninguém jamais soubera sua idade.
Caminhou
até uma das saídas e debruçou-se sobre a sacada. Ainda veria o nascer de Órion.
A estrela mãe lançava seus primeiros raios de vida sobre aquela terra
abençoada, tingindo o céu de um tom carmesim em contraste com o azul quase
negro do mar ao longe. Era de fato um espetáculo. Rob subiu para seus aposentos
satisfeitos. Deveria se encontrar com o Imperador durante a manhã, para as
audiências com os súditos.
Alguns
aprendizes passaram por ele correndo, com algum objeto, que ele não
identificou, nas mãos provavelmente fugindo de algum mestre ranzinza. Não
evitou um sorriso quando a maga Hera surgiu sem fôlego, perguntando sobre os
garotos.
_
Bom dia Supremo Conselheiro. – Disse entre uma golfada de ar e outra. Suas
bochechas estavam mais vermelhas do que o comum. – Porventura não vistes alguns
pirralhos com meu cajado nas mãos?
_
Talvez tenha visto alguns jovens indo em direção ao bosque, mas não sei dizer
se tinham algum cajado nas mãos...
_
Obrigado meu senhor, muito obrigado. – Disse a velha, antes de partir em
desespero para as escadas.
Depois
de um breve desjejum, constituído por fatias de queijo com frutas e pão, deixou
o Castelo Dourado para ir até a morada do soberano de Dymond, Imperador Tales
Varyest. Seu melhor amigo.
***
Jaummer,
a capital do Império de Dymond. A cidade fica em uma ilha, muito próxima ao
continente, cerca de 2 km de distância, e é ligada a ele por uma ponte de
pedras. A ilha, em forma de montanha, abriga em seu topo o majestoso castelo
Jaummer, que dá nome a cidade. Trata-se de uma construção de pedras brancas,
que se ergue imponente sobre a cidade, tão alto que sua sombra percorre uma
longa distancia no mar. Há do lado esquerdo, um prédio na horizontal, com
quatro andares e duas torres em cada extremidade. De frente para o leste, de
onde vem a ponte, e de onde se pode ver o continente, uma torre gigantesca, com
cerca de 200 metros de altura, liga as duas laterais. Um portal de ouro está
entre a cidade e a torre, por onde uma ponte atravessa um fosso cavado na rocha
da montanha, protegendo a entrada principal do castelo. Na lateral direita está
o prédio mais alto e amplo do castelo. Ele toma toda a lateral direita,
chegando até o centro da construção. Vários andares sobrepostos vão galgando o
ar até chegarem a uma altura de 400 metros. Nas costas do castelo, a montanha
fornece a proteção perfeita: um paredão de rocha tão íngreme que nem mesmo o
melhor guerreiro poderia subir por ele. Em
um espaço entre a torre de entrada e o prédio principal, ficam os jardins, que
pela grandiosidade constituí quase um bosque. Um pequeno córrego passa por ele,
formando um lago no centro e indo cair como uma cachoeira no mar. Diversos
tipos de árvores e flores crescem ali, dando ao local um cheiro agradável.
Na
entrada do prédio principal, uma escadaria levava ao salão dos tronos. Na
porta, dois guardas de elite, trajando armadura completa e lanças de gala,
guardavam a integridade do soberano. A decoração era nobre, com um altar de
onde os dois tronos, do Imperador e da Rainha, surgiam esculpidos da rocha.
Estavam ligados, mas havia uma distancia de meio metro entre eles. Havia
lustres pendendo do teto, de ouro e com diamantes, de onde um fogo azulado
lançava uma aura mágica em todo o recinto. Cabiam ali cerca de mil pessoas, já
que era local das reuniões da corte. O chão era todo de mármore branco, tirando
o brasão real no centro do salão. O brasão era desenhado em preto, com
contornos vermelhos. A estrela de quatro pontas com o símbolo de cada um dos
deuses primários em cada extremidade era conhecida em todo o território de
Dymond.
O
imperador e a rainha encontravam-se sentados no trono. Era o quinto dia do
outono, e havia audiências, como determinava a lei. Uma fila de cidadãos
aguardava para pedir ao Imperador que julgasse suas causas e que lhes desse o
auxilio necessário. Tales Varyest era um homem imponente. Vestia um manto de
veludo azul marinho por cima da roupa vermelha e dourada. Alto, ombros largos e
braços fortes. Os olhos eram negros, como os de seu pai e avô. Os cabelos
rebeldes eram também negros, e caíam sobre a testa através da coroa. A coroa em
si, era simples, de ouro trançado com prata, e o brasão nos quatro pontos
cardeais.
No
trono ao lado, a rainha era muito menor, mas nem por isso menos majestosa. A
roupa era leve, de um tecido mais suave que a própria seda, e de coloração de
um azul esverdeado. Possuía um corpo esguio como o de um gato. O rosto era
totalmente fora do comum: os olhos quase felinos e as orelhas pontudas
anunciavam a raça a qual a rainha viera. Líncerat era herdeira da família real
élfica, os Hellsy, e casara-se com Tales como forma de afinar ainda mais os
laços entre a Tríplice Aliança. Os olhos eram de um verde translúcido, e as
feições da rainha transmitiam calma e tranquilidade.
Atrás
do trono do imperador, um velho de sábia aparência observava tudo o que o
soberano fazia, e quando solicitado, dava opiniões. Vestia uma túnica branca
com detalhes em preto e vermelho, e o brasão da Ordem Sagrada, o Unicórnio,
estampado no peito.
_
Minha senhora, realmente não se cansa de me acompanhar nessas tarefas reais? –
Perguntou o imperador, claramente notando a expressão entediada de Líncerat.
Rapidamente, a rainha se mexeu no trono. O ventre dilatado onde o herdeiro
repousava era um aparente fardo para o corpo pequeno e frágil.
_
Tales, querido, não se preocupe comigo. Assim que me cansar, irei para meus
aposentos e repousarei. Um pouco de contado com o mundo real, faz bem. – Disse,
olhando para um camponês um tanto sujo que acabara de entrar na presença do
imperador. – Assim que este jovem for atendido, irei procurar Acácia e
caminharemos pelo jardim.
_
Se este é o seu desejo, minha rainha. – O imperador parecia um pouco incomodado
pelo tamanho da esposa, mas virou-se conformado para o jovem camponês. – Sou
Tales Varyest, Imperador de Dymond. Diga-me, em que posso ajudá-lo?
O
homem ajoelhou-se, e fez um gesto de submissão. Tales era conhecido pelo seu
senso de justiça, por isso era respeitado pelas classes mais pobres. O que não
queria dizer que, dentro da corte, não acumulasse inimigos.
_
Meu senhor, o assunto a que venho tratar é deveras sério. Meu nome é Nereu, e
meu pai Oneiroi foi, assim como eu, comerciante de ovelhas. Nossa família é
pobre, mas chegaram aos meus ouvidos rumores que devem chegar aos do senhor
também.
Tales
moveu as sobrancelhas, num claro movimento de apreensão. Rumores eram
perigosos. Espalham-se como o vento, e causa efeitos devastadores como o fogo.
Ele realmente não gostava de rumores. Nereu era jovem, não tinha trinta anos
ainda. O cabelo louro desgrenhado. As mãos calejadas e a pele queimada, não
negavam sua origem humilde. Porém, o imperador viu sinceridade e retidão em
seus olhos.
_
Fale, jovem Nereu. Se tais rumores forem dignos de atenção, terei prazer em
recompensá-lo com ouro.
Ao
ouvir a promessa, os olhos do jovem brilharam. O ouro seria muito bem vindo em
sua vida humilde. Líncerat moveu-se no trono. Tales virou-se pra ela, e notou
que algo a incomodava. Preferia esperar o camponês falar, para depois perguntar
se algo não estava bem.
_
Bem, a propriedade em que moro com minha família fica ao sul, nas terras do
Lord Gameliel, próximo a cidade de Trikalia. Contei a ele o rumor, mas ele não
acreditou. Porém meu senhor, não pode ser apenas uma história. Tem de haver ali
algo de verdadeiro. Algo de... – O rosto de Nereu estava contorcido, num misto
de ansiedade e pavor. O velho atrás de Tales, o Conselheiro Chefe Rob não
gostou nada da expressão do homem.
_
Ou conta de uma vez o que houve, ou saia do Castelo agora mesmo! – Vociferou,
assustando todos na sala. A verdade é que Rob sentira que aquele jovem era um
mensageiro de más notícias, as piores que chegavam àquela sala em muitos anos.
_
Bem... È... Quer dizer... – Gaguejou o rapaz.
_
Fale com calma. – Aconselhou o imperador, olhando de lado para o velho. –Rob é
um tanto impaciente, mas acredito que o que irá nos contar é realmente
importante. Portanto, é melhor que seja rápido.
_
Pois bem. Aconteceu com a filha do lenhador Sr. Péricles, a formosa e doce
Ofélia. Diz o pobre homem que estava viajando com a filha e a esposa para uma
floresta ainda mais ao norte, antes das terras dos Seres da Mata. Procurava uma
madeira rara, para vender a um poderoso comerciante. A viajem levaria apenas
alguns dias, por isso resolveu que a família poderia ir junto. Em uma das
noites, Ofélia saiu para buscar lenha. Havia uma leve garoa, e Péricles
resolveu ir atrás da filha para avisá-la de que apenas galhos bem secos
serviriam. Antes de chegar até a filha, ouviu gritos e correu. Ao chegar até
ela, encontrou apenas seu corpo sem vida caído na relva, marcado com um símbolo
na testa. Não havia sinais de espancamento, ferimentos, nada. Consternado, não
prestou atenção nisto, e cuidou de avisar a esposa, enterrar o corpo e sair
dali o mais rápido possível. Até essa parte tudo corre normal. Existem muitos
ladrões nas florestas, e eles matam sem piedade. – O jovem fez uma pausa, para
tomar fôlego.
Líncerat
se moveu mais uma vez, incomodada. Aquilo lhe soava estranhamente familiar. Mas
não podia se lembrar do que. Nereu pigarreou e continuou.
_
Ao chegar ao vilarejo, o lenhador contou a desgraça a todos. Um curioso, um
jovem órfão que aprendeu a ler com um grupo de sacerdotes viajantes e acumulava
livros estranhos em sua velha barraca, pediu uma descrição do símbolo. E passou
dias nos livros. Todos se perguntavam se havia mesmo necessidade de buscar i
significado daquilo. Devia ser demoníaco o suficiente para ser evitado. Até que
Jonathan, esse era o seu nome, saiu da choupana às escondidas e correu para a
casa de Péricles. Dizia ter descoberto o significado do símbolo. Não foi dada
muito importância, até que Jonathan e o velho Péricles apareceram boiando no
lago do bosque ao redor do vilarejo. Alguma coisa ele deve ter descoberto. E
ninguém sabe o que era ao certo.
Quando
parou de falar, tinha os olhos cansados. Tirou do bolso um papel enrolado, e
entregou para o imperador. Tales desenrolou cuidadosamente, e Líncerat e Rob se
curvaram para ver o que havia nele. Por um momento, o coração dos três parou de
bater. Ao notar a expressão de terror nos olhos de todos, Nereu levantou-se
depressa.
_
Então é verdade. Esse é um símbolo de guerra! Um símbolo dos Renegados. O
símbolo das bestas que habitam as Terras Perdidas. – Sua voz tomou uma
sonoridade sombria. – Esse é o símbolo dos Dragões.
Rob
saiu detrás do trono numa rapidez assustadora para um velho. Tomou o papel da
mão do imperador, e recitou algumas palavras diante dele. Em instantes,
restavam apenas cinzas do desenho. Líncerat estava pálida, com uma expressão
doentia. Elfos não vivem como os humanos, e não envelhecem como eles. Apesar de
jovem, a rainha nascera antes do fim da última guerra contra os Dragões. Quando
era ainda muito criança, sua família fora caçada pelas bestas aladas, por
carregarem o sangue real élfico. A notícia era particularmente chocante para
ela.
Rápidos
lampejos de memória passaram diante dos seus olhos: os estandartes vermelhos
dos exércitos dos Dragões, em sua maioria constituídos por criminosos e
assassinos de todas as raças, sendo erguidos na sua cidade natal, os gritos de
desespero do povo, a batalha travada pelo exército real para deter as tropas
até a chegada dos reforços humanos. E por fim a morte de sua mãe.
Uma
lágrima solitária escorregou pelas linhas suaves do rosto, indo se aconchegar
nos lábios delicados. E Tales a segurou bem a tempo, antes que a cabeça pendesse
no apoio do trono. Correria. Servos agitados tentando levar a rainha para seus
aposentos, guardas segurando Nereu, temendo ter sido ele responsável pelo
desmaio da rainha, Rob segurando Tales na sala dos tronos e obrigando-o a
deixar Líncerat seguir com os criados até o quarto.
_
Isso significa que eles realmente estão em terras da Aliança novamente.
Acreditam ter forças para nos desafiar? – Pensava em voz alto o imperador,
atormentado. Virou-se para Nereu e observou-o. – Não entende o que irá te
acontecer se retornar? Provavelmente será morto.
O
jovem entendeu que as coisas eram piores do que ele supunha. A esperança de
receber alguma recompensa do imperador havia cegado o jovem camponês.
_
De toda forma, você ficará no castelo por enquanto. Sua informação foi deveras
preciosa. – Virou-se para Rob, que coçava a cabeça branca com força. – Cancele
as audiências. Duvido que alguém tenha algo pior que isso para trazer ao meu
conhecimento. Convoque uma reunião do Conselho. Precisamos tomar as
providências necessárias. Vou atrás de Líncerat, ela pode dar a luz ao bebê a
qualquer momento.
Saiu
correndo pela mesma porta por onde os criados levaram a rainha. Rob começou a
vociferar com os guardas, dando ordens a todos. Nereu foi deixado de lado, a
deriva daquela confusão. As coisas iriam mudar dali pra diante. Ele tinha
certeza.
***
Gritos.
Tales apressou ainda mais o passo. O quarto pra onde Líncerat havia sido levada
estava a poucos metros de distância, mas os gritos pareciam vir de mais longe.
Ao chegar à porta, Acácia e outras mulheres entravam e saiam às pressas do
quarto, com lençóis sujos de sangue. A velha criada olhou com ternura o rosto
aflito do imperador.
_
Não pode entrar agora meu Senhor. A rainha está dando a luz ao seu herdeiro.
Pode ser um parto muito complicado, pois se trata de um mestiço, e nunca
tivemos alguma criança assim antes, mas a rainha é forte. O Senhor mesmo sabe,
portanto sente-se e aguarde.
Sem
reação, o governante de toda Dymond se rendeu as palavras da velha, sentando-se
na cadeira ao lado da porta do quarto. Sentia um misto de emoções, emoções que
nunca antes haviam se cruzado em seu coração. Ansiedade, alegria, medo,
vergonha. “Por que as coisas sempre acontecem de uma vez só?” Pensou o jovem
Imperador. “Os Dragões dão sinal de vida, Líncerat começa o parto, tudo ao
mesmo tempo!” Pensamentos como esse preenchiam sua mente, deixando-o confuso.
Concentrou-se
então em ouvir os barulhos do quarto. Fechou os olhos, e aguçou ao máximo a
audição. Primeiro os gritos das parteiras, dizendo para que Líncerat tivesse
calma. Depois, a respiração ofegante, mas compassada da rainha. O coração
acelerado, tudo parecia ser-lhe audível. E então, um choro. Baixinho, abafado,
e depois mais alto, e mais alto, quase um grito. Uma lágrima escorreu dos olhos
do imperador. Era a voz de um homem. Ele tinha certeza. A voz de um jovenzinho
muito forte e valente.
E
então, a maior surpresa de sua vida. O acontecimento mais surpreendente e
mágico da vida do jovem imperador acabara de acontecer. Um segundo choro fez-se
ouvir sobre o primeiro, como se estivesse entoando um canto com o outro. O
coração do imperador pulou. Não se conteve, saltou da cadeira e abriu as portas
com um impulso. Líncerat sorriu para ele, segurando duas crianças, uma em cada
braço. Um tinha os cabelos dourados, quase brancos como os de Líncerat. E o
outro os tinha negros, como os do pai. As feições eram claramente idênticas,
com as orelhas levemente pontudas como as da mãe. Tremulo, Tales aproximou-se.
A rainha o recebeu com um sorriso fraco, mais cheio de amor.
_
Não é maravilhoso? – Perguntou ela, cheia de emoção.
Sem
poder falar, o imperador se ajoelhou ao lado da cama, contemplando os dois
garotos. Seu coração havia se esquecido de tudo, do mundo, da dor, das
responsabilidades. Por um momento queria apenas observar aquele milagre
perfeito.
_
Como iremos chamá-los? – A Rainha o olhou, em dúvida. Tales por um momento
vacilou. Mas depois soube como seria o nome dos meninos, como se alguém tivesse
lhe ditado.
_
O mais velho é Lexis, e o mais novo, Heitor.
E
por muitos anos, Lexis, o de cabelos pretos e Heitor, o de cabelos loiros,
alegrariam os corredores do castelo. Tales foi tirado bruscamente do devaneio
por Teronk. Teronk era irmão mais novo de Líncerat, e membro do Conselho Imperial,
representando os interesses élficos. Tinha os cabelos claros, e no geral
lembrava muito a irmã. Apesar do rosto mais anguloso e da expressão pesada que
carregava, o corpo esguio e as vestes faziam-no ser confundido constantemente
com a rainha. Era também, um dos melhores amigos de Tales.
_
Meu Senhor, o Conselho o aguarda. Será uma ótima notícia em meio aos
acontecimentos que a precedem. Precisamos nos apressar. – Com um gesto brusco,
Teronk o levantou, e o puxou para fora do aposento.
_
Mas... Deixe-me ficar com eles hoje! Amanhã discutiremos os assuntos do reino.
A
voz de Tales estava embargada, cheia de emoção. É claro que a surpresa fora
boa, mas ele não podia se deixar levar. Afinal, tinha um Império a governar.
_
Vossa Graça. – Os olhos de Teronk já mostravam certa impaciência. – Com todo
respeito, sugiro que passe vários dias com seus filhos. Isso acontecerá muito
em breve. No entanto, os vários senhores que estão reunidos na Sala do Conselho
não podem mais esperar. Os assuntos trazidos ao vosso conhecimento pelo
vendedor de ovelhas são urgentes.
O
discurso de Teronk pareceu despertar o Imperador. Limpou algumas lágrimas que
ainda insistiam em rolar pelo rosto, empertigou-se e ficou sério mais uma vez.
Não disse palavra alguma, apenas dirigiu-se solenemente a Sala do Conselho.
Mais silencioso ainda, Teronk o acompanhou.
A
sala do conselho era um local simples, como são os locais de trabalho.
Tratava-se de uma sala retangular, com doze cadeiras de carvalho em cada
lateral. No teto, detalhes em ouro e um lustre feito com o mais puro cristal,
das Ilhas da Fúria. Na extremidade do recinto, o trono do Imperador não era
suntuoso ou caro como o do salão principal. Lá, era preciso afirmar que o
Império era próspero e rico. Ali não, todos os homens sentados ao longo do
caminho conheciam detalhes da administração. Portanto, era uma cadeira de
carvalho como as outras, um pouco maior e com o símbolo imperial entalhado nas
costas. Atrás dela, um vitral imenso iluminava a sala, tendo um Dragão desenhado
em ouro. Ninguém ousava perguntar o porquê do Dragão, o inimigo de todas as de
Dymond, estava representado ali. Mas poucos tinham por que olhar o vitral. As
atenções estavam todas no imperador.
Tales
chegou contente, apesar da expressão séria, e passou devagar, para que seus
Senhores pudessem lhe prestar reverência. Uma formalidade banal, pensou ele. Sentou-se
na sua cadeira e pediu ao seu jovem escudeiro, um rapaz lá pelos seus 24 anos, que
o aguardava ao lado do trono que anunciasse o início do Conselho.
_
Vossa Majestade Imperial, Tales Varyest, primeiro de seu nome, ordena que se
inicie este trabalho do Conselho Imperial. – Fez uma leve reverencia ao
Imperador. – Que os Quatro nos mostrem a direção.
Tales
limpou a garganta, e falou devagar.
-
É do conhecimento da maioria de vós, Senhores e Guardiões do meu Império, que
minha amada Líncerat, Imperatriz dos Três Reinos, das Ilhas de Jaummer e das
Ilhas da Fúria, estava para dar a luz. Pois a pouco, deixei-a com meu herdeiro
nos braços.
Vários
dos Senhores levantaram-se e fizeram reverência. Outros aplaudiram. Tales
acenou feliz. E continuou.
_
Porém, para meu contentamento, Líncerat concebeu não apenas um herdeiro, mas
dois. Gêmeos...
Repentinamente
a sala ficou em silêncio. Rob abriu a porta, e entrou no recinto. Parou quando
viu a sombra que pairava sobre os rostos dos Senhores de Dymond. Olhou para
Tales e viu que seu sorriso morria.
Quem
primeiro falou foi Lord Cyrus, Intendente do Tesouro Imperial e Senhor da
Cidade de Argos.
_
Vossa Majestade, qual deles é o mais velho? – Sua voz soou relutante.
Então
Tales entendeu o temor dos presentes. E se seus filhos viessem a lutar pelo
trono? E se o mais novo não aceitasse que segundos o tirasse o direito de
governar? Afinal, qual deles era o mais velho? Uma raiva o possuiu. Como
poderia estar pensando isso? Quem eram esses velhos e asquerosos homens que
pensavam saber de tudo e de todos. Levantou-se, altivo.
_
Caro Cyrus, devo lembrá-lo de que esses assuntos não lhe dizem respeito?
Havia
um claro tom de ameaça na voz de Tales. Rob decidiu intervir.
_
Meus caros, temos assuntos muito mais imediatos par discutirmos do que a
sucessão do trono. – Olhou de soslaio para Teronk, que permanecera calado e com
aquela expressão inescrutável dele. – Os Renegados nos enviaram um aviso. –
Houve um súbito e coletivo suspiro de surpresa. – Em breve estarão em guerra
conosco.
Lord
Zenir levantou-se, constrangido. Já devia ter tido conhecimento de como o jovem
Nereu trouxera a mensagem ao Imperador, embora considerasse que não havia muito
verdade na história. Como Senhor do Castelo da Muralha, era seu dever mostrar
que estava cuidando do assunto.
_
Vossa Majestade. – Fez um reverencia forçada. Não escondia seu desafeto pelo
Imperador. – Tais boatos podem não passar disso, boatos. Não deveríamos estar
tanto preocupados.
Tales
olhou-o sério. Às vezes se pegava questionando se realmente podia confiar
naqueles homens. Mas se não pudesse, o que lhe restaria? Um homem não poderia
governar sozinho.
_
Rob encontrou vários rastros de magia no pergaminho tirado do defunto que
boiava no lago. Magia negra da mais imperdoável senhores.
Alguns
se mexeram em suas cadeiras, claramente preocupados. Era uma situação perigo, o
seria bom agir imediatamente. Rob já se encontrava a direita do Imperador, na
posição de Conselheiro Chefe e Supremo Conselheiro da Ordem Sagrada. Apesar de
velho, tinha uma altivez que talvez nenhum dos homens dali possuísse.
_
Recomendo que um regimento do Exército, comandado por alguém de confiança de
Vossa Majestade, seja enviado imediatamente para a região do ocorrido. Se forem
encontrados indícios de que os Renegados invadiram território da Aliança
Imperial, ataquemos a Cidade Proibida com força total, para lembrar-lhes o seu
lugar.
Seu
discurso foi calmo, sem muito calor. Mas ele queria ser convincente, nada mais
que isso. Disse por fim:
_
Quem está de acordo?
Dezesseis
dos vinte e quatro Senhores levantaram-se. Rob fez sinal para que sentassem, e
virou-se para o Imperador.
_
Cabe a Vossa Graça dar a última palavra.
Tales
sabia que Rob proporia algo como aquilo. Seu temor pelos Renegados era
justificável. Quando aprendiz, Rob fora obrigado a lutar contra seu próprio
mestre quando este se aliou aos magos da Ordem Maldita. Ele compreendia o
perigo que tais homens representavam a integridade do Império. Além disso, com
seus herdeiros recém-nascidos, Tales deveria manter um possível conflito o mais
distante de Jaummer possível.
_
Concordo com a proposta do Conselheiro Chefe. Nomeio Sor Íkarus, General do
Regimento de Inteligência do Exército Imperial para a empreitada. – Levantou-se
ansioso para sair dali e ir ter com seus filhos. – Está encerrado este
Conselho!
(Imagens disponíveis na internet, sem relação alguma com o livro. Uso-as sem intenção de causar dano autoral.)